A Arte de Morrer
(Uma Introdução)
 

Cultivar a arte de morrer é extremamente difícil. É algo que requer grande disciplina interna. Um dos problemas da apresentação das ideias relacionadas com a morte e o processo de morrer no Mundo Ocidental, é que no ocidente não existe realmente tradição de um estado entre-vidas. De facto pode dizer-se que há um tabu sobre falar ou saber algo acerca da morte.

Os tibetanos, com o seu Bardo Thödol (literalmente “a libertação mediante a escuta num plano depois-da-morte), têm-se treinado ao longo dos tempos para superar a aparente normalidade do estado entre-vidas, e reconhecem o Bardo de um modo supernormal, com formas, imagens e aparições incomuns. A razão porque o fazem, é que sem este treino especial, o estado entre-vidas no qual viajamos no Mundo Real, é muito semelhante com a vida de todos os dias para o viajante sem treino. O nosso problema é que as imagens representadas no Bardo Thödol Tibetano não são culturalmente transferíveis para a sociedade moderna ocidental. Uma alucinação horrível numa cultura, é ficção científica desinteressante para outra e um clássico de terror para uma terceira.

Um dos maiores problemas que um indivíduo destreinado enfrenta – por não se ter disciplinado em vida como percepcionar sensorialmente as impressões e sensações do Bardo, ou seja, do Mundo Macrodimensional, que durante a nossa vida encontra-se encoberto pelas sensações mais densas do mundo fenomenal – é simplesmente estar ciente que ainda se encontra no estado entre-vidas.

Na vida, o ser humano comum, não está presente no presente, geralmente não tem a mínima ideia do que se passa à sua volta, onde está, quais são os seus sentimentos e sensações, o que lhe está a acontecer. Assim, como se pode esperar que ele note algo de diferente no Bardo, onde a única diferença reside na QUALIDADE da experiência e não nas IMAGENS em si mesmas?

Por isso, enquanto cá estamos, necessitamos de treino para percepcionar sensorialmente e sentir o nosso envolvimento relativamente ao que nos rodeia. Desgraçadamente, os nossos maiores esforços na vida são geralmente dirigidos para realçar o efeito que produzimos nos outros.

Também é uma boa ideia adquirirmos prática com as imagens do estado entre-vidas, em vez de ficarmos à mercê da nossa sensibilidade em relação às mudanças reconhecidamente subtis do corpo, da mente, e do ambiente. O processo é similar com o de sonhar à noite em sono horizontal. Em geral existem muitas pistas e indícios de que estamos a sonhar: a qualidade da experiência é usualmente diferente da do dia-a-dia, dizemos e fazemos as coisas mais disparatadas, vemos e participamos nas cenas mais incríveis. Todavia, tomamos tudo como normal, real; de igual modo aceitamos o que nos acontece nas nossas vidas “acordadas”, ocorrendo o mesmo quando entramos no estado entre-vidas.

Um outro factor pouco conhecido é que este mundo não-fenomenal, Mundo Macrodimensional, Bardo, Mundo Real, Mundo Eterno, qualquer que seja o nome que lhe queiras dar consoante a tua tradição, está sempre a acontecer. As suas vibrações são subjugadas pelas do mundo fenomenal, as quais por serem mais pesadas e densas, são mais fáceis de percepcionar sensorialmente pela consciência (awareness) da máquina biológica humana.

Clarifiquemos a nossa terminologia: este estado entre-vidas não é realmente entre vidas diferentes, ou como dizem algumas tradições re-encarnação, mas entre a mesma vida, vivida uma e outra vez, através da Criação.

A ideia original, esquecida há muito tempo, é manter um fio de consciência através da nossa experiência pelo universo. Contudo, o que geralmente acontece – com todos os dourados reluzentes que acompanham a existência fenomenal – é identificar-mo-nos com as atracções que nos rodeiam. Existem solicitações constantes ao nosso interesse e atenção; algo a capta durante algum tempo, e lá vamos nós, arrastados uma vez mais.

 

Durante a vida, normalmente ficamos tão presos a tudo que é material, que o nosso fio de consciência é quebrado, e perdemos completamente o interesse no Primeiro Objectivo como Ser. O nosso principal interesse tornou-se em como estar bem a maior parte do tempo, como evitar sentir-mo-nos mal, acumular pelo menos um mínimo de hardware electrónico e uns CDs fixes. Quem é que tem tempo para perder com estas tretas impraticáveis, esta merda “espiritual”? Deste modo, não só esquecemos a Verdade, mas quando a ouvimos já não acreditamos nela.

Assim, basicamente tudo se resume a um jogo no qual tentamos nos libertar da nossa fixação, e o universo a fazer o possível e o impossível para meter um pauzinho na engrenagem. Por cada grama de intenção e vontade pela nossa não-identificação com as coisas, o universo irá lançar-nos mil milhões de contra-intenção.

Deste modo, qual é o ponto da situação? Quais são as nossas hipóteses de fazer algo de real para variar? Bom, existem alguns problemas em lidar com a morte e os seus resultados, a perda da máquina biológica humana com tudo o que acarreta: o fim dos jogos de futebol, das pizzas, da mente... O QUÊ? Disseste perder a mente?

É uma desgraça, mas o facto é que o nosso centro intelectual, a nossa área lógica, que durante a vida mais ou menos forma a personalidade e ajuda-nos a funcionar no mundo fenomenal, não realiza connosco esta viagem. Não pode. Pertence ao sector humano do labirinto e é muito grosseira para aí penetrar, por isso teremos de recorrer aos hábitos do eu (self) essencial, o nosso Ser.

Tudo bem, ninguém está a pressionar-te. Talvez nesta tua passagem pelo sector humano do labirinto, queiras apenas ouvir sobre estas ideias, de alguma forma refamiliarizar-te com o material, sem te envolveres muito. Assim, lês um pouco, assistes a um par de conferências dadas por uns tipos com aspecto e nomes estranhos, talvez pratiques um pouco de yoga e de meditação; se pretenderes um pouco mais de envolvimento talvez te tornes vegan ou algo parecido.

Basicamente, o problema fundamental que se enfrenta no estado entre-vidas é a falta de experiência prática durante a vida. Falando metaforicamente, devíamos treinar durante a semana para o próximo jogo do fim-de-semana ao invés de passarmos o tempo na borga. Tudo isto é pertença de um segredo relativo, veiculado através da história humana por muitas comunidades esotéricas.

Está bem, então onde posso encontrar algo sobre esse tal “Treino nos Bardos”?

Não obrigado(a), as ideias aqui apresentadas são de pôr os cabelos em pé. Quero sair! Leve-me por favor à estação de renascimento mais próxima, que me devolverá aproximadamente aonde eu estava, antes de por casualidade ter dado com estas páginas.

 


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